Progressão Continuada: “mal menor” ou “exclusão postergada”?

Progressão Continuada

Uma das mais importantes questões nacionais da atualidade é debatida na Folha de São Paulo, pelos articulistas, João Batista de Araújo e Oliveira e Maria Izabel Azevedo Noronha (nos respectivos links, para assinantes).

Em discussão, o futuro de milhões e milhões de alunos da maior unidade da federação: futuros profissionais desse país. Estaria Paulo Freire, idealizador, da progressão continuada (e não da aprovação automática) feliz? Avalie as duas opiniões e opine também!

FOLHA: O Estado de São Paulo deve abandonar a progressão continuada?

SIM

“Exclusão postergada” dos alunos

MARIA IZABEL AZEVEDO NORONHA

A Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e outras entidades vêm há muito denunciando que a chamada progressão continuada na rede estadual de ensino de São Paulo se configura como uma “aprovação automática” dos estudantes, sucessivamente remetidos às series seguintes no ensino fundamental ainda que não tenham adquirido os conteúdos previstos em cada uma de suas etapas.

Por que, afinal, é tão importante que se discuta a questão da progressão continuada? A função primordial da escola é formar cidadãos, não apenas pela transmissão do conhecimento acumulado mas também pela produção coletiva de novos conhecimentos.
É tarefa central dos educadores articular coletivamente um projeto educacional de concepção humanista, comprometido com a escolarização de todos com qualidade.
A defesa de uma escola sem exclusão social, que garanta o acesso e a permanência de todos os alunos, é premissa necessária para os que lutam pela educação inclusiva -sob todos os aspectos- e de qualidade em nosso país.

A Constituição brasileira assegura a educação como um direito de todos. Ela é requisito fundamental para a construção de uma nação independente e desenvolvida, não só do ponto de vista econômico, mas social, político e cultural.

Se o objetivo é a inclusão social e a aprendizagem dos alunos, e não apenas atribuir-lhes uma nota, muitas vezes levando-os à reprovações e ao abandono da escola, a simples abolição de qualquer avaliação tampouco contribui para a formação dos estudantes.
Da forma como foi implementada, a progressão continuada em São Paulo concretizou, na verdade, a “exclusão postergada” dos alunos, que terão menos chance na vida e no mundo do trabalho.

A vida real não aboliu as avaliações; a “aprovação automática” cria, assim, uma realidade não verdadeira para o aluno. Na acepção correta da progressão continuada, a avaliação deve ser contínua, diagnóstica e cumulativa, propiciando sempre a percepção, pelo educador e pelo próprio educando, do estágio da aprendizagem, suas dificuldades, suas deficiências, subsidiando o replanejamento do trabalho do professor e a organização dos estudos do aluno.

A progressão continuada não pode ser imposta. Para que seja de fato implantada há que se pensar em um processo de envolvimento de pais, alunos e educadores.
Exige professores motivados, bem remunerados, integrantes de carreira justa e atraente. Além disso, precisa de correta relação professor/aluno, não de salas superlotadas como nas escolas estaduais.

Necessita ainda de um programa de formação continuada dos professores no próprio local de trabalho, com jornada e salários que lhes permitam se dedicar a uma única unidade escolar. Não acontecerá sem gestão democrática em que todos os segmentos da comunidade sejam formuladores e gestores do projeto político-pedagógico.

A escola, para a criança e para o jovem, é uma passagem, mas essa passagem não pode terminar em branco; tem que resultar na aquisição de conhecimentos.
É imperativo que a Secretaria da Educação apresente à sociedade uma proposta de como assegurar aos alunos das escolas estaduais o direito que todos têm à aquisição do conhecimento historicamente acumulado e à participação na produção de novos conhecimentos. E um projeto que inclua aquelas crianças e jovens prejudicados pela “aprovação automática”.

MARIA IZABEL AZEVEDO NORONHA, professora efetiva de língua portuguesa na rede estadual de ensino de São Paulo, é presidente da Apeoesp -Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Educação.

NÃO

Dos males, o menor

JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA

Entre a repetência em massa e a promoção -automática, social ou qualquer que seja o adjetivo-, fico com a última. Entre dois males, a prudência recomenda escolher o menor. A repetência em massa é um fenômeno característico de alguns poucos países da América Latina e da África.

Trata-se de uma licença para matar. Basta ser professor e entrar numa escola pública que você adquire tal direito, sem qualquer sanção.

Os índices de reprovação no Brasil são alarmantes -quase 20% dos alunos do ensino fundamental sucumbem anualmente. Isso representa um desperdício superior a R$ 9 bilhões/ano. Imagine esses recursos usados para ajudar o aluno a aprender!

As evidências são inequívocas -quanto mais jovens os alunos, melhor a performance nos exames, como a Prova Brasil. Atraso e repetência acabam redundando em círculo vicioso. Especialmente quem é multirrepetente conclui: “estou atrasado, o professor não gosta de mim, por isso sou reprovado”.

Cabe diferenciar a repetência em massa, que se pratica de maneira impune e covarde, no país, com a repetência ocasional, típica de nações europeias e de algumas escolas particulares. Esta deixa marcas, mas tende a surtir efeito, se usada com parcimônia e fortes justificativas, após esgotar as demais tentativas. E só funciona onde há um contexto social e familiar que compreende e apoia essas medidas para superar problemas, quase sempre passageiros.

Outra forte distorção brasileira é a repetência associada à infrequência escolar. No lugar de obrigar o aluno a frequentar diariamente a escola, a legislação obriga a reprovar o aluno com mais de 25% de faltas, criando, dessa forma, o abuso da infrequência e dissociando promoção de conhecimentos.

Isso não significa, no entanto, que a promoção automática seja licença para enganar. O risco existe, especialmente se as políticas não são acompanhadas de rigorosos programas de ensino para cada ano e bimestre, avaliações sistemáticas, estratégias de diagnóstico e recuperação paralela e, sobretudo, consequências para os professores, diretores e secretários de Educação.

O fato é que deveria vigorar no Brasil a máxima de que a escola que não conseguisse alfabetizar 95% ou mais dos alunos ao final do 1º ano deveria ser reprovada e poder sofrer intervenção.

Em setembro de 2009, o Instituto Alfa e Beto (IAB) avaliou 350 mil alunos do 2º ao 5º ano, em quase 400 municípios. Do total, 70% eram totalmente analfabetos -não passariam no teste do Tiririca. Mas todos foram promovidos.

Também observamos que os alunos das séries mais avançadas eram menos analfabetos do que os outros. A conclusão é a de que é possível aprender com os alunos mais adiantados.
A aprovação automática retira poder do professor? Talvez.

Mas o que dizer da antiga tradição inglesa de separar as funções de ensino, avaliação e certificação do conhecimento? Por que não voltar a ela? A Prova Brasil, de certa forma, começa a abrir espaço para esse tipo de estratégia.

Vivemos um dilema. Aprovar alunos sem que eles tenham dominado as competências mínimas do currículo de cada ano é fraude; reprová-los é pior. A única saída é ensinar de maneira competente e desenvolver mecanismos preventivos e corretivos, bem como tratamentos alternativos para os que apresentam dificuldades. A pedagogia da repetência precisa ser erradicada e suplantada por uma pedagogia do sucesso. Esse é o desafio que ainda não superamos.

Até lá, optemos, sem fanfarras e trombetas, pelo mal menor.

JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA doutor em educação, é presidente do Instituto Alfa e Beto e autor de “A Pedagogia do Sucesso”. Foi secretário-executivo do Ministério da Educação (1995).

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